kanalB.at ·labournet.tv
DEUTSCH / ENGLISH
O retorno do Terminator by Antonio Ina´cio Andrioli
Durante os dias 13 a 17 de março de 2006 será realizada em Curitiba a Terceira Reuni?o das Partes (MOP 3) do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança e, de 20 a 31 do mesmo m?s, a Oitava Confer?ncia das Partes (COP 8) da Convenç?o de Diversidade Biológica da ONU.
. Uma das discuss?es pol?micas, certamente, envolverá a moratória sobre as tecnologias de restriç?o de uso genético (GURT ? Genetic Use Restriction Tecnology), mundialmente conhecidas como ?Terminator?. As articulaç?es políticas favoráveis e contrárias foram intensificadas em 2005, quando os governos do Canadá, da Austrália e da Nova Zelândia se manifestaram abertamente pelo fim da moratória proposta em nível internacional desde 2000. Quais s?o os interesses que est?o em jogo e quais seriam as conseqü?ncias de uma liberaç?o do uso desta tecnologia?

A introduç?o do gen Terminator nas epécies transg?nicas, que, ao esterilizar as sementes, impede a sua reproduç?o por parte dos agricultores, é o ápice da depend?ncia tecnológica desejada pelas multinacionais que dominam a produç?o de sementes e agrotóxicos. Produzida a partir da transfer?ncia de parte do DNA da Saponaria officinalis (uma espécie de planta silvestre dos EUA) a tecnologia esterilizante foi, originalmente, introduzida no algod?o. As sementes germinam, normalmente, na primeira geraç?o, mas, na fase do amadurecimento da planta, o gen ?exterminador? se manifesta, produzindo uma toxina que esteriliza as sementes, impedindo a germinaç?o da segunda geraç?o, o que obriga os agricultores a comprar a semente para a safra seguinte. Patenteada desde 1998, a tecnologia ainda está em fase de experimentaç?o e, diante da forte rejeiç?o por ocasi?o da notícia de sua exist?ncia (tornada pública somente em funç?o do processo de patenteamento), a maioria dos países adotaram a moratória, apoiada em convenç?es da ONU sobre a biodiversidade. Agora, como os transg?nicos foram liberados em muitos países (uma liberaç?o questionável também do ponto de vista jurídico e, muitas vezes, motivada por uma ?situaç?o de fato?, criada em funç?o do contrabando e da contaminaç?o), a ofensiva das multinacionais e seus aliados se ampliou em nível internacional, assim como os movimentos de resist?ncia, coordenados por movimentos ambientalistas e de defesa dos direitos dos consumidores.
Uma das pincipais interessadas na liberaç?o de uso do gen Terminator é a Monsanto, sob a alegaç?o de possibilitar a t?o propalada coexist?ncia entre cultivos transg?nicos e convencionais. O discurso supostamente baseado em princípios ecológicos e sustentáveis, no entanto, está em contradiç?o com a história da empresa. Novamente, a Monsanto criou uma estratégia para aumentar seus dividendos com a venda de produtos questionáveis do ponto de vista ambiental e de saúde pública. Desta vez, trata-se do herbicida Roundup (glifosato), responsável por cerca de 2/3 do seu faturamento mundial e que, em combinaç?o com a soja transg?nica Roundup Ready, apresenta um mercado altamente promissor. Originariamente, a Monsanto enriqueceu fornecendo matérias primas ao exército dos Estados Unidos: nas guerras mundiais o fornecimento de ácido nítrico e tolueno permitiu um aumento exponencial dos lucros da empresa, investidos na compra de várias indústrias químicas pelo mundo afora; mais tarde, a Monsanto ficou famosa pelo fornecimento do agente laranja (um herbicida criado ? base de 2,4-D e 2,4,5-T, usado, inicialmente, para destruir florestas na Guerra do Vietn?, cujas conseqü?ncias ? saúde a ao meio ambiente ainda podem ser detectadas); e, atualmente, a vers?o mais potente do glifosato, o Roundup Ultra, vem sendo usado massivamente na Colômbia, pretensamente para destruir plantaç?es de coca (Erythroxylum coca). Segundo a vers?o difundida pela Monsanto e reproduzida mundialmente por cientistas por ela financiados, tanto o agente laranja como o glifosato foram, por muito tempo, considerados inofensivos ao meio ambiente e ? saúde humana. Outra tentativa da Monsanto em confundir a opini?o pública está relacionada ? produç?o do hormônio de crescimento bovino, cuja patente é monopólio da multinacional e cujo efeito foi considerado inócuo a animais e seres humanos em estudos desenvolvidos pela própria empresa, mesmo após inúmeras pesquisas científicas terem provado o contrário. É esta empresa multinacional, com esta história, que depois de ter sido beneficiada com a contaminaç?o de lavouras de soja transg?nica contrabandeadas da Argentina (e que aumentaram a venda do seu principal herbicida) atualmente se apresenta preocupada com o meio ambiente e a saúde humana, para propor a liberaç?o do gen Terminator.
A pergunta decisiva, entretanto, é a seguinte: as tecnologias de restriç?o de uso genético s?o realmente necessárias? A mesma pergunta precisa ser respondida com relaç?o ? soja transg?nica: ela é, de fato, necessária? Os que defendem que sim, afirmam os seguintes argumentos: 1) o aumento da produtividade; 2) a soluç?o de problemas técnicos na produç?o (doenças, pragas, inços, interfer?ncias climáticas etc.) e a conseqüente reduç?o de custos de produç?o; 3) uma melhoria na qualidade dos alimentos para os consumidores; 4) e, n?o por último, o combate ? fome no mundo. Diante desses argumentos, podemos continuar perguntando: nós precisamos de maior produtividade na agricultura ou os mercados mundiais de alimentos já est?o confrontados com uma situaç?o de superproduç?o? Há algum problema técnico que n?o possa ser resolvido com as demais tecnologias disponíveis? As variedades transg?nicas disponíveis possuem alguma qualidade adicional superior para os consumidores? Há algum movimento dos consumidores reivindicando esses alimentos? Os transg?nicos podem contribuir no combate ? fome ou contribuem para uma maior concentraç?o da terra e das riquezas e, portanto, para gerar mais pobreza e mais fome?
As pesquisas científicas independentes (que n?o s?o desenvolvidas por cientistas e institutos patrocinados pela Monsanto) realizadas nos países que cultivam a soja transg?nica s?o unânimes em seus resultados: 1) as variedades transg?nicas existentes no mercado n?o s?o mais produtivas em comparaç?o ?s convencionais (ao contrário, produzem menos por hectare); 2) os problemas técnicos existentes podem ser resolvidos sem a transgenia e o uso desta última tem contribuído para aumentar problemas técnicos nos países que a adotam há mais tempo, com o prejuízo do aumento nos custos de produç?o e de conseqü?ncias ambientais negativas a longo prazo; 3) n?o há nenhuma qualidade alimentar superior nos produtos transg?nicos disponíveis e a maioria dos consumidores os rejeita; 4) a fome tende a aumentar e n?o diminuir com o uso da transgenia, especialmente por gerar um maior endividamento, empobrecimento e ?xodo rural de pequenos agricultores (a maioria dos atingidos pela fome no mundo s?o pequenos agricultores e sem-terra). Esses resultados demonstram, claramente, que, com exceç?o das multinacionais e dos grandes proprietários rurais (inicialmente entusiasmados com a possibilidade de cultivar grandes áreas com monoculturas e com menor intensidade de trabalho), para a maioria da populaç?o o cultivo dos organismos transg?nicos atualmente disponíveis é desvantajoso, especialmente a longo prazo, quando o monopólio sobre a alimentaç?o tende a aumentar.
E é isso que está em jogo: a partir do controle sobre a semente (a g?nese do alimento) multinacionais originalmente centradas na indústria química, como a Monsanto, a Syngenta e a Dupont (somente para citar as maiores empresas que possuem a patente da tecnologia Terminator) ter?o em seu poder o controle sobre o que e onde os alimentos ser?o produzidos, os insumos necessários e seus preços. A depend?ncia tecnológica se aprofunda com a degradaç?o ambiental e a conseqüente necessidade de mais insumos: um ciclo vicioso que demanda o uso de novas técnicas patenteadas pelas mesmas multinacionais que há décadas v?m enriquecendo com a difus?o de tecnologias agrícolas, cuja eficácia é questionável do ponto de vista científico e cujos riscos de utilizaç?o superam os benefícios, presentes apenas nas promessas eufóricas de sua campanhas de marketing e constatáveis somente por ocasi?o do período de sua introduç?o.
Os argumentos apresentados em favor da liberaç?o do uso do gen Terminator s?o, particularmente, curiosos: 1) a possibilidade de evitar a contaminaç?o (que, no caso da soja já ocorreu e, com o milho e algod?o está em curso, sem que houvesse uma preocupaç?o das multinacionais em evitá-la) e permitir a coexist?ncia entre cultivos transg?nicos, convencionais e orgânicos; 2) a possibilidade de evitar o cruzamento entre espécies no meio ambiente e o surgimento de ?super-inços? (a crescente resist?ncia de inços ao glifosato vem ocorrendo em países, onde os transg?nicos foram liberados há mais tempo, constituindo um problema real, aprofundado, entretanto, pela liberaç?o irresponsável dos cultivos transg?nicos sem o prévio Estudo de Impacto Ambiental, previsto nas legislaç?es dos países, com base no pincípio da precauç?o).
Além do interesse em controlar definitivamente a agricultura, aproveitando a ?onda? da legalizaç?o em curso, o fundamental na liberaç?o do gen Terminator no Brasil (apresentado como soluç?o a problemas técnicos causados, no entanto, pela liberaç?o das variedades transg?nicas), continua sendo de ordem econômica: como a maioria dos agricultores no Brasil que cultivam a soja transg?nica continua utilizando sementes contrabandeadas e reproduzidas por eles mesmos e as variedades transg?nicas, apesar de insuficientes para o plantio em todo o território nacional, est?o sobrando no mercado (porque a Monsanto demorou para definir os royalties sobre as sementes, as espécies existentes n?o est?o adaptadas ?s diferenças climáticas de todo o país, o valor imbutido na semente legal é maior do que o pagamento de royalties sobre a produç?o e a liberaç?o do uso de sementes próprias com financiamento dos bancos, que reduziu as vendas de sementes certificadas), a Monsanto só tem a ganhar com o uso do gen Terminator e o fim da possibilidade de reproduç?o de sementes por parte dos próprios agricultores. Ou seja, se antes o contrabando e o uso ilegal da semente interessava com vistas ? contaminaç?o, agora ele passa a ser combatido tecnicamente, sob o argumento de ?evitar a contaminaç?o?.
Também para o caso da Argentina, onde os agricultores ainda n?o pagam royalties e continuam reproduzindo suas sementes (a disputa jurídica continua, com a tentativa da Monsanto em cobrar os royalties através das exportaç?es de soja, em território europeu), a ?nova tecnologia? pode ser uma soluç?o para a Monsanto. É essa a necessidade real que está por detrás da discuss?o jurídica, atualmente vinculada a grandes cultivos comerciais como a soja, o milho e o algod?o, assim como a tentativa de isentar produtores de sua responsabilidade em caso de contaminaç?o. Se agora, quando a liberaç?o irresponsável dos organismos transg?nicos já ocorreu no meio ambiente, o risco de contaminaç?o (anunciado publicamente por inúmeros cientistas críticos e independentes) surpreendentemente passa a ser aceito como problema pelos próprios defensores dos transg?nicos, sua recente preocupaç?o ambiental é, no mínimo, questionável, especialmente porque suas propostas continuam movidas por promessas, sem comprobabilidade real, portanto. E é isso que se percebe há bastante tempo no debate acerca dos transg?nicos: promessas eufóricas de cientistas (sem evid?ncia em experi?ncias de campo) fundamentam argumentos que passam a ser criados como justificativa para legitimar a aprovaç?o indiscriminada de qualquer cultivo transg?nico e passam a ser anunciadas como necessidades, sem que se tenha conhecimento disponível para avaliar cada caso. O caso dos remédios a partir de organismos transg?nicos (uma antiga promessa dos defensores da transgenia) continua servindo para confundir o debate, pois sua produç?o ocorre prioritariamente em laboratório, em ambiente fechado, com menor probabilidade de contaminaç?o.
É com base na confus?o entre promessa e realidade que parlamentares e governos de alguns países est?o fundamentando a liberaç?o das tecnologias de restriç?o de uso genético. No mesmo contexto está a idéia de que o uso dessas tecnologias venha a contribuir com a biossegurança no Brasil, o que n?o possui nenhuma evid?ncia de caráter científico, mas serve para justificar a pressa na liberaç?o indiscriminada, aproveitando a vig?ncia da nova Lei de Biossegurança. A inconstitucionalidade desta lei recente deveria constituir o foco da atenç?o de parlamentares supostamente preocupados com sua incompatibilidade jurídica, agora que aparentam admitir o alerta já dado há muito tempo por cientistas independentes de que a coexist?ncia entre organismos transg?nicos e n?o transg?nicos n?o é possível fora do laboratório, onde essas tecnologias de risco deveriam continuar antes de se ter uma avaliaç?o objetiva e responsável acerca de seus efeitos ? saúde e ao meio ambiente.

video-player | screenings | newsletter | faq | outlets | imprint | contact
Make a donation to: content e.V. Postbank Berlin, Kontonr.: 6814102, BLZ: 10010010, IBAN: DE82100100100006814102, BIC: PBNKDEFF